Aislan Santos, conhecido como Aislan Pankararu, é artista visual e médico. Natural de Pernambuco, estudou Medicina na Universidade de Brasília e atualmente reside em São Paulo (SP), onde trabalha na rede pública de saúde.
Indígena do povo Pankararu do sertão, seu trabalho autoral nasce da saudade de suas origens e da necessidade de exaltar e se conectar com sua ancestralidade.
Em 2020, realizou sua primeira exposição, ‘’Abá Pukuá’’ (Homem Céu). Já em 2021, Aislan inaugurou a mostra individual “Yeposanóng” (Curar-se), no Memorial dos Povos Indígenas (DF).
A identidade visual do 1.º Festival de Cinema e Cultura Indígena (FeCCI) nasce das tintas de Aislan, respeitando o tempo de sua criação. O artista criou uma obra inédita que depois foi vetorizada e aplicada digitalmente nos materiais visuais do festival.
Confira a entrevista com o artista.
Como surgiu seu interesse pela arte? Que temáticas te interessam hoje como artista?
Aislan Pankararu: Esse interesse pela arte surgiu no período em que eu estava ingressando no estágio final da faculdade, chamado internato, que é a fase em que a gente tem aulas práticas dentro da universidade. Eu já tive um contato no Ensino Fundamental e Médio com a arte, mas o gatilho mesmo aconteceu quando questionei o lugar que eu ocupava na universidade e de retomar, nesse processo artístico, a exaltação da minha cultura. De um primeiro momento, exaltar esse indígena vivo, esse ser cidadão indígena do sertão, especificamente. E trazer os aspectos da minha cultura, da minha cosmovisão, relacionado mesmo à pintura corporal, fenótipo, a questões que envolvem adereços típicos e locais. Eu queria exaltar esse indígena, esse ser do sertão, do semiárido brasileiro. Com a tinta eu comecei a fazer a conexão com meu povo. Então eu acho que não tem uma temática específica, sabe, que me interessa hoje. Porque eu sou muito de fazer por sentir.
Como surgiu o convite para o festival?
Aislan Pankararu: O convite surgiu do Takumã Kuikuro (idealizador e diretor do festival). A gente começou a conversar sobre essas possibilidades, ele foi bem gentil e generoso em me convidar para participar desse projeto. Eu fiquei muito animado, é muito legal essa coisa de trabalhar entre culturas, dessas parcerias entre povos, participar da identidade visual de um projeto tão incrível como esse.
Fale um pouco da obra. O que te inspirou nos caminhos, o que sentiu durante o processo artístico e as questões que trouxe?
Aislan Pankararu: Quando eu fui convidado para um projeto como esse, pensei em como a gente pode misturar um pouco dessa diversidade. Em como eu posso pegar um pouco dessa cor, dessa pintura, desse jeito de ser de outros povos e juntar com alguns aspectos culturais do povo Pankararu e meus antepassados. Então isso na minha mente começou a partir da visão do micro. Tem algo ali microscópico que nos faz entender pelo olhar, porque está no DNA. A gente precisa se entender como parente.
A obra começou com essa coloração mais branca, representando um pouco da tintura extraída do barro branco, argila, que é a pintura corporal do meu povo, elemento sagrado. Quando comecei a construir a obra, eu não tinha um planejamento e nem metodologia. Deixei fluir o sentimento. Pensei muito na diversidade dos povos e depois na união desses elementos. Da forma que eu fui desenhando, pintando, os materiais foram papel kraft, tinta acrílica. Eu uso uma paleta de cores diversa. Trago cores de outros povos, jenipapo, urucum, amarelo. Eu queria trazer a ideia do micro, como se fosse uma organela celular, uma célula viva e suas membranas, suas teias celulares. Essa constituição de células, energia, de unidades, que juntas, se constroem em um todo. Somos distintos, mas o amor transborda pelo macro.
Como você avalia a existência do Festival de Cinema e Cultura Indígena e a produção audiovisual e artística indígena hoje?
Aislan Pankararu: Eu avalio a existência desse festival realmente como uma forma para trazer essa valorização do indígena. É de uma diversidade incrível o que existe em nossos mundos e em nossas formas de ser. Seja no audiovisual ou no trabalho manual, no barro, com argila, com palha, com miçanga, com todas as formas e elementos que estão envolvidos no universo dos povos indígenas, é uma forma de valorizar tudo isso e exaltar essas tecnologias. Essas são nossas formas de ver e conhecer que são diferentes da maneira hegemônica de ser do mundo. Então é importante fincar essa flecha no chão, essa lança, mostrar a nossa diversidade, valorizar nossa cultura e a produção audiovisual, que é incrível hoje e trata de temas importantíssimos. Eu acho que esse tipo de festival é de fundamental importância tanto para nós, povos indígenas, como para o mundo não indígena.
O tema do festival é “Como você cuida da sua aldeia?”, que evoca uma reflexão sobre o cuidado, a regeneração, sobre como estamos nos relacionando com o espaço em que vivemos. Como esse tema te toca?
Aislan Pankararu: O tema do festival é muito importante. É um tema que nos faz parar para pensar, refletir em como a gente está tendo o cuidado com o lugar que a gente mora, o lugar que a gente necessita sobreviver, de onde tiramos os nossos alimentos, o lugar de onde a gente tira nossa sobrevivência. Um lugar que é vivo, um lugar que a gente pratica nossas tradições, um lugar que a gente festeja nossos rituais. Então o lugar onde vivemos é um espaço sagrado. Um espaço que precisa de cuidados também. Então essa reflexão de como a gente cuida disso está associada também a essa responsabilidade de manter viva a nossa tradição e cultura. Por que sem esses elementos não existe a nossa cultura. Uma coisa é ligada a outra. Estamos ligados em aldeias, com a natureza, com as matérias orgânicas, com os elementos da vegetação e biomas, seja no Xingu seja no sertão, na caatinga. A gente precisa dessas plantas, desse solo. Desse alimento que eles nos fornecem. Cuidando da aldeia, a gente cuida da nossa casa.
Nesse sentido, você atua com a medicina e com a arte, como você enxerga hoje as questões da cura e transformação?
Aislan Pankararu: Essa parte da arte está associada a um processo de cura né. Como eu lido com isso? Da forma mais natural possível. Porque ao meu ver, a arte veio para mim justamente para aliviar algumas dores, um sentimento de não pertencimento. Ela veio com esses gatilhos de me ajudar a exaltar a minha cultura, o bioma de onde vim, mas também para aliviar as dores e a nostalgia. Então a arte para mim tem esse papel de cura. A arte me ajuda e me fortalece muito. Digo isso como indígena Pankararu, como médico e como artista. Essa evocação dos meus trabalhos, quando vem algum tipo de questão associada ao meu povo, à sua cosmovisão, ela vem para ser desenhada. Mas é um processo muito do fazer. Sem muita caixinha, sem limite. Meu processo se torna ainda mais interessante por conta disso, porque vem natural, de dentro